RAT






Deriva dos Pássaros 


Por Mab Cardoso,

Parte 1







































RAT – Residência Artística Temporária – Territórios existenciais, uma pseudo-identidade cultural - ano 1 Salvador/Brasil - Berlin/Alemanha.

Projeto com caráter investigativo na área de Dança com foco em Intervenção Urbana e Performance, tem como objetivo principal alargar as redes de relações entre artistas brasileiros e artistas estrangeiros nas quais intercambiaremos aspectos culturais e metodológicos de criação, a fim de criar uma trama autônoma e alternativa de auto-sustentabilidade da Arte, desafiando as dificuldades que encontramos em produzir e circular obras imateriais de Arte.

A partir da geração dessa malha pretendemos proporcionar o encontro de pessoas e/ou grupos afins através da criação de uma plataforma virtual, a fim de propagar-democratizar os trabalhos e conectar/gerar um espaço para troca entre os artistas interessados/vinculados, além de divulgar nossos apoiadores/patrocinadores. Nesta perspectiva realizaremos uma Residência Artística que deve ser sediada em um Centro de Cultura ou Instituição Cultural não governamental na Alemanha com duração mínima de um mês, onde criaremos uma nova obra artística em Dança com linguagem performativa em espaço público, através das afetações neste lugar.

Com o entendimento de que somos todas brasileiras e baianas e que isso pode sugerir uma pseudo-identidade, evocamos nossa condição holística para dispormos de acordos com as diferenças, e logo, do afeto por diferentes lugares e pessoas. E por isso, surge o RAT, projeto que se infiltra em territórios “outros” para tornar a identidade vazada e permeável de novas experiências e significados, pois não pretendemos evidenciar uma identidade local e fixada num imaginário folclórico, mas sim, reconhecer que a funcionalidade cultural/antropológica e política das cidades são diferentes umas das outras e que isso estabelece parâmetros de afinidade e dissonâncias entre povos/nações.

Sendo assim, buscamos o embaralhamento da nossa multiplicidade simbólica individual e coletiva, para friccionar os estereótipos da nossa cultura local e do imaginário europeizado da nossa realidade “sub”. Ao reconhecer certa funcionalidade caótica e única do nosso sistema, investiremos na estética da precariedade como eixo de atuação nas nossas ações. Essa estética da precariedade, encontrada em muitas de nossas construções funciona como forma de sobrevivência, e torna-se uma característica criativa e muito peculiar do local (Bahia), são construções efêmeras para diversas finalidades (encontradas nas casas feitas com materiais heteróclitos, em camelôs, etc).

Com nossa metodologia de Derivas e Cartografias, as quais funcionam para atualização e reconhecimento instantâneo do local, somos lançadas em condições instáveis diante do corpo turístico que consome o lugar, do corpo estrangeiro que já é lugar, do corpo que observa e se deixa observar empreendendo e desprendendo o olhar. Em seguida, as infinitas sensações apreendidas nessa andança estarão subjetivadas na construção das intervenções, contextualizando essas representações na relação com o ambiente, co-implicando corpo (informações desse corpo) e cidade (cotidiano/história). O encontro desses fatores é o complexo dessa experiência de deslocamentos na nossa residência artística temporária, experiências com as quais reinventaremos nossas ações, contextualizando-as ao novo ambiente.

A partir da idéia de que corpo, cidade e ambiente são instâncias de um mesmo e único processo, ou seja, um conjunto de relações simultâneas, entendemos que corpo e cidade se constituem como co-fatores de configurações de um mesmo contexto, pois são a própria manifestação da ação do tempo. De modo que, a experiência corporal nos ambientes nos possibilita a compreensão de diferentes contextos1. Dessa maneira, através das intervenções urbanas pretendemos discutir e problematizar questões sociais acerca da maquinização, do lucro, da distribuição de renda e território, da educação/produção de conhecimento, do desenvolvimento, atentando para possibilidades alternativas de reaproveitamento e sustentabilidade, de re-invenção do meio ambiente.

Esta Residência Artística será realizada em Berlin de 10 agosto a 10 de setembro deste ano que terá como tema “Territórios existenciais, uma pseudo-identidade cultural”, onde o Coletivo TeiaMUV. apresentará uma série de intervenções urbanas na cidade de Berlin e ministrará um workshop (espaço para troca/intercâmbio) apresentando um panorama geral da historicidade da Arte no Brasil deste o Modernismo até a atualidade e propondo uma metodologia de trabalho voltada para criação de novas e colaborativas ações artísticas in-situ. Assim como será elaborado um planejamento para a apresentação do Seminário “Territórios existenciais, uma pseudo-identidade cultural” que acontecerá no dia 26 de setembro no Teatro do Movimento da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia e no dia 30 de setembro na Universidade Federal do Recôncavo com a participação via web dos artistas que participaram da residência na Alemanha. No mês de setembro realizaremos em Salvador e na cidade de Cachoeira/Bahia as Intervenções Urbanas geradas a partir da residência.

Ao longo do projeto nossas ações serão democratizadas através do blog: www.teiamuv.blogspot.com.br.

Para a Residência Artística Temporária - Territórios existenciais, uma pseudo-identidade cultural - ano 1 Salvador/Brasil - Berlin/Alemanha – experimentaremos ações, que realizamos em vias públicas na cidade de Salvador, nas ruas de Berlin com o intuito de investigar as diferentes reações e interações dos transeuntes, novas corporalidades e novos níveis de complexidade das obras.

Ações artísticas propostas aos residentes em Berlin:

• TRANSbarraca – Proporemos a criação de um ambiente a partir da instalação de uma pequena barraca de camping em uma via pública no centro da cidade de Berlin. A barraca de camping foi escolhida como signo que pode trazer discussões acerca de território/fronteira, ocupação/densidade demográfica, reorganização/resignificação do espaço e das relações com outro, estimulando a criação de imagens de identificação com o ambiente e com os sujeitos. A TRANSbarraca surge do desdobramento de uma de nossas intervenções realizadas no Passeio Público de Salvador durante o mês da Dança em 2010, quando intitulamos o trabalho como TRANSbarroc.

• Chão nas cidades – Trabalho proposto pela performer e pesquisadora Andréa Lúcia Maciel Rodrigues no Evento Corpocidade em 2008 através das Faculdades de Dança e Arquitetura da
Universidade Federal da Bahia. A propositora democratizou sua ação para que quaisquer um dos participantes repetirem-na onde e quando desejassem, de modo que a experimentaremos com os artistas da residência em Berlin. Esta intervenção/performance consiste no ato de deitar no chão em uma via pública e de grande circulação (zonas de tensão) de determinada cidade, totalmente desprovido de qualquer atuação/representação, copiando o comportamento do morador de rua, chamando a atenção para sua existência (realidade brasileira), a fim de discutir temas como apropriação dos espaços, a vulnerabilidade dos laços sociais, gerando um acontecimento em que barreiras de arte, realidade e espetáculo ficam propositadamente indefinidos.

Intervenções experimentais para pesquisa do Coletivo TeiaMUV. – receptividade e novos estados corporais:
Quitanda TeiaMUV.: Produtos originalmente, genuinamente e paradoxalmente brasileiros expostos com o intuito de trocar por produtos genuinamente Alemãs. Levaremos o ar do Brasil em garrafas de água mineral, miniaturas dos dois faróis feitas artesanalmente por nós, almofadas de chita com cheiro de ervas medicinais, sandálias havaianas, fotos de nossa cidade tomadas a partir de cartografias realizadas pelo TeiaMUV., frutas tropicais, CD`s e DVD`s de arrocha e pagode de gueto, patuás, acarajé, filmes brasileiros como de Glauber Rocha e performances a La Ribot2.
O carrinho de café: Os carrinhos de café surgiram nos anos 70 e a partir de então não saíram mais das ruas de Salvador, são centenas de ambulantes espalhados pelas ruas com grande fluxo de pessoas, como no centro. Já fazem parte do contexto urbano da cidade e são uma demonstração de Arte Popular, de modo que seus possantes são considerados artistas, além de vendedores ambulantes, pois a estética dos carrinhos carregam a própria identidade do vendedor e funcionam como uma declaração étnica, uma representação ideológica. Neste sentido, nós transmutaremos este objeto simbólico a um território alheio/estrangeiro expandindo nossa cultura local através da personalização de nosso próprio carrinho de café, do sabor do café feito por nós e, especialmente, pelo modo como venderemos este produto.


As elegantes catadoras de lixo: Estaremos vestidas muito elegantemente, bem representadas, maquiadas, de salto alto em uma zona da cidade relativamente privada como shoppings Center ou aeroporto e cataremos e comeremos os restos de comida deixados pelos consumidores, discutindo questões acerca dos desperdícios de comida comum na camada social de médio a alto poder aquisitivo e do modo de vidas de pessoas que através desta ação garantem a sobrevivência através da reutilização de recursos.

Salinha do cinema: Projetaremos em uma superfície estratégica nas ruas Berlin, vídeos onde mostraremos nossa cidade a partir de uma óptica particular, diferenciada dos roteiros turísticos, imagens que revelarão nossa apreensão do que é a cidade de Salvador, de maneira que exporemos uma parte da construção de nossa identidade pseudo-cultural. Assim como, Vídeos Dança de nossas derivas andantes, bem como, filmes brasileiros desde Glauber Rocha e Paulo Cesar Saraceni aos mais recentes diretores.

Pipas: Iremos empinar pipas em grandes largos, além de disponibilizar uma grande quantidade delas para quem desejar se aproximar para compor essa experiência poética e lúdica, valorizando o momento de ociosidade como espaço/tempo para a abertura ao novo, ao outro, como lugar para vagar, liberar o sentimento e o pensamento para outras maneiras de compreender o mundo e de recriá-lo.

A partir das experiências vivenciadas na Residência Artística em Berlin realizaremos nas cidades de Salvador e Cachoeira duas ações: O Seminário “Territórios existências – um pseudo-identidade cultural” em colaboração com os artistas residentes na Alemanha, e o desdobramento das intervenções urbanas desenvolvidas ao longo do Projeto RAT, com o intuito de democratizar nossas experimentações artístico-metodológicas, de intercambiar com artistas locais estreitando nossas relações para futuras produções colaborativas e para o alargamento de nossa rede.

1 Fabiana Dutra Britto - PPGDança/UFBA) : Doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, professora e coordenadora do Programa de Pós Graduação em Dança da UFBA. A professora Dra. Fabiana Dutra é nossa orientadora conceitual no Projeto Teia.
2 María José Ribot Manzano, La Ribot – Nascida em Madrid em 1962. Maria Ribot é uma das artistas espanholas mais inovadoras na criação coreográfica. Ganhou o Prêmio de Interpretação Nacional de Dança em 2000 na Espanha.


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O pensamento e o planejamento técnico-científico perderam a cega confiança recebida nas últimas décadas por conta da deterioração da qualidade de vida em zonas muito industrializadas do mundo, pois os cidadãos de países desenvolvidos experimentam agora os efeitos secundários da industrialização em seu meio ambiente.

De modo que, esta forma de atuar e pensar denuncia a predisposição em sacrificar o futuro em função do presente para conseguir êxito de curta duração, ignorando o preço das futuras crises resultantes. Palavras como produtividade, precisão, rapidez e rendimento caracterizam a eficácia da ação tecnológica, de maneira tal, que o custo humano e social são tão ignorados quanto os efeitos desta ação a largo prazo, já que esta instrumentalização tem se mostrado imprecisa, assim como sua rapidez apresenta o descuido e o seu rendimento apenas um gasto desmedido.

Quando temos exemplos como o das Fábricas Fiat, onde a mão-de-obra assalariada passou de 140 mil para 60 mil operários em uma década, enquanto que a produtividade aumentou em 75%, ou na imensa estocagem de milhares de ogivas nucleares, onde a menor falha humana poderia, mecanicamente, conduzir a um extermínio coletivo, entra em cheque os modos dominantes de valorização das atividades humanas. Tal aceleração das mutações técnico-científicas, resultantes do capitalismo, submete o homem e a natureza a um processo padronizado, desumanizado e opressor, em virtude do desenvolvimento do trabalho maquínico, substituindo a liberdade pela disciplina, colocando o produto mais importante do que o produtor, a produtividade em detrimento da fraternidade.

Questionamos: qual a finalidade disso? Desemprego ou cultura e enriquecimento dos modos de vida? Marginalidade opressiva e solidão ou criação e re-invenção do meio ambiente? Neurose e angustia ou enriquecimento da sensibilidade? Trabalho massivo ou pesquisa?

Tal crise ecológica somente terá resposta em escala planetária, por conta disso, através do RAT – Territórios existenciais, uma pseudo-identidade cultural – ano 1 Salvador/Bahia - Berlin/Alemanha, propomos uma ação micropolítica, através de um trabalho artístico-social que tencione e reoriente os objetivos da produção de bens materiais e imateriais, de modo que esta revolução concirna também aos domínios moleculares de sensibilidade, de inteligência e de desejo.

Repensar as relações de poder e a economia de lucro é um de nossos principais objetivos. A compartilhamento entre tais inquietações, valores, idéias e sentimentos nos levou à formação do Coletivo TeiaMUV., onde nos consideramos como um todo, valorizando as particularidades horizontalmente, onde nossos meios de produção/invenção são comuns a todos.